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mvda_autoretratoO meu Miguel

Podemos admirar um amigo? Não é obrigatório, antes pelo contrário, mas é o que me acontece desde que, já há algum tempo (mas não tanto tempo assim), conheci o Miguel, tínhamos 14, 15 anos. A admiração foi mudando de tom – primeiro pelo que ele era, depois pelo que ele prometia fazer, hoje pelo que ele é e já fez – mas nunca sofreu um desapontamento sequer. E eu estou com ela: nunca me desapontei com o Miguel, antes me surpreendi e continuo a surpreender.

A inteligência afectiva não perdeu em subtileza, só se tornou mais eficaz e substantiva, no que escreve, desenha, diz.

Na sua intervenção cívica e pública, sempre calmo, metódico, inspirado, cavalheiresco, escrupuloso. E não, não frio, apenas incisivo.

Na sua actividade enquanto antropólogo – “de renome internacional”, para quem não saiba, o que, passe o pires da expressão, significa: com obra, teoria, discurso não só traduzidos como respeitados pelos seus pares no universo académico. (Vide An Earth-Colored Sea. Oxford e Nova Iorque: Berghahn Books, 2004)

Na sua acção criativa, talvez a menos conhecida, tanto em escrita como em desenho mas que ele pratica com regularidade desde sempre e que, acredito, em breve começará a equilibrar a balança deste Leão.

Dois livros, Euronovela, prémio Caminho1998 para uma ficção científica que na verdade é uma ficção política, ou seja, um género duplamente raro entre nós. E Quebrar em Caso de Emergência (1996), um inquietante livro de contos a necessitar de reemergir.

E há os desenhos. Por acaso fui comissário da sua 1ª (e até à data única) exposição individual, em 1984. Falar ao Miguel dos desenhos é entrarmos em terreno minado. É que ele está em busca, sempre em busca. Há tempos o Miguel ponderou arranjar um parceiro para fazer uma novela gráfica – mas se calhar ¿já pensaste nisso, pá? não precisas.

E aí reside o problema do Miguel. Com a sua assustadora facilidade em pensar, escrever, articular, compreender, ele procura naturalmente, porque é honesto, o que lhe é difícil. O que precisamente, sorry, Mike, é difícil…

 Rui Zink